20080927

"...Ao pé do seu cadáver estava uma carta. Peguei nela. Li:
Cada homem é um mundo. A esperança é uma virtude que ajuda a viver. Viver para a dor, onde a minha face sofredora traz estampado o veneno da tuberculose-como Caim a sua traição-, é dolorosa para quem sofre. Os médicos desenganaram-me hoje.
Não se mede a vida por uma hora, mas sim por muitos anos. Que se acabe o mundo para mim, e que morra o homem com a peste que o devora. Os gérmens vão devorar o gigante...
Procuro a morte para me libertar da vida.
O homem como o ar é livre. Tudo no mundo é luta. Combato contra mim mesmo. Não sou eu que morro. É a tuberculose que mata.
Mato porque ela quer viver...
É ela, que anda a ensaiar a morte, arrancando a quem me olhar, gritos lancinantes de piedade!.... Eu matei a morte!...
A morte que me acompanhava em vida, vestida de sobretudo, luvas e chapéu mole, escondendo nas paredes do seu corpo, os pulmões podres e um coração em ruínas!...
Era ele que estava fora da vida em movimento.
..........................................................................................................................................................................
Matei a minha dor! Matei a morte!....
Sobre este mundo, outro mundo!
Todo o filho do amor é filho de Deus!...
E meu Pai, espera-me lá longe... muito longe... no alto, com os seus braços na cruz..."

Pedro Olaio